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Foto do escritorSérgio Veloso

Como assim a tua última refeição é às 16:30?

Atualizado: 30 de set. de 2022

Muita gente ficou intrigada com o meu dia alimentar típico, especialmente o motivo pelo qual a minha última refeição é pelas 16:30. Em primeiro lugar, é bom esclarecer que me deito igualmente cedo, pelas 21:30, e acordo às 5:00 da manhã tomando o pequeno-almoço logo depois. Entre a primeira e última refeição passam 12-13 horas em jejum, o que para alguns pode parecer uma enormidade. Mas é o mesmo tempo que passa alguém que janta às 21:00 e depois só come às 10:00, o que já não é visto com a mesma estranheza.


Apesar de existirem motivos fisiológicos para ter “educado” o meu corpo dessa forma, o principal é que de facto me sinto melhor e durmo melhor não comendo nada várias horas antes. E não, não sinto absolutamente fome nenhuma entre a última refeição e deitar. Na verdade, o meu apetite reduz significativamente à tarde/noite e a fome surge apenas se comer alguma coisa. No caso de jantar a uma hora convencional por alguma motivação social, o que faço quando se justifica e é raro, o apetite aumenta e não tenho dificuldade em comer. Mas se não o fizer, nem me lembro disso.


Um outro aspecto em que noto benefícios na minha experiência pessoal é menos inchaço ou desconforto abdominal, e retenção de líquidos. Não falo daquele edema marcado disfuncional, mas da retenção ligeira a nível subcutâneo perfeitamente normal mas que ninguém gosta. Prolongar o jejum permite reduzir a exposição à insulina, e em consequência eliminar mais sódio a nível renal e água “por arrasto”. Não é gordura que perdes mais facilmente, pois isso dependerá sempre o balanço energético independentemente da janela alimentar.


Convém reforçar que lá por eu o fazer não significa que seja o ideal para toda a gente, mesmo existindo uma base fisiológica para tal. Não será a estratégia ideal quando o objectivo primário é hipertrofia em alguém com resistência ao ganho de peso e massa magra, ou treinando ao fim do dia. Nem alguém que trabalhe por turnos nocturnos e que tenha uma actividade exigente nesse período. Em patologias como a diabetes, ou simplesmente quando as rotinas familiares não têm forma de encaixar sem um transtorno maior do que o benefício. O padrão alimentar adapta-se ao meu dia-a-dia. Acordo muito cedo e sou muito mais produtivo de manhã. Começo a trabalhar às 6:00, sem pausas até às 14:00. Até aí já ingeri cerca de 2/3 do aporte calórico total. Como enquanto trabalho, à excepção da última refeição, e o pequeno-almoço é a que tomo com mais calma. Às14-15h vou treinar, faço uma refeição logo após, e depois a última ainda antes das 17:00.


Entre o fim do treino e as 20:00 sensivelmente não sou uma múmia mas tenho actividades menos intensas. Ler/estudar, escrever, responder às vossas mensagens, ir às compras e outras tarefas pessoais, brincar com as minhas cadelas, estar com a Rita quando chega do trabalho, ou simplesmente não fazer nada. Tenho mais tempo para tudo o resto e o dia acaba por ser bem mais produtivo. Mas a partir das 20:00 bem que me podem mandar mensagens e emails, que só vão ser respondidos na manhã seguinte. O telemóvel só permite chamadas e notificações de 3 números. E um deles até vive comigo. De qualquer forma, mesmo durante o dia a probabilidade de não atender é 90% se for outro número que não esses. As mensagens foram inventadas para alguma coisa, e a maioria das conversas ao telefone poderiam ser só um sim, não, ou um lol. A Rita janta ao pé de mim já mais tarde. Só faço companhia, o que não me custa nada. Não tenho fome absolutamente nenhuma. Ambos nos deitamos à mesma hora, e a Misty e a Lucy também!

Hoje em dia é um luxo “mandar” nas próprias rotinas, mas um luxo de que não quero abdicar e que me dá uma boa qualidade de vida. Sou muito anti-social nem tenho habilitações para uma vida de convívio muito activa.🙄 Por outras palavras, sou um bocadinho bicho do mato e vivo muito bem com isso. Um círculo de amigos que prefiro convidar para um almoço prolongado pela tarde com churrasco lá em casa do que para um jantar fora. E se é para jantar fora, avisem-me com pelo menos três dias de antecedência que preciso de me preparar mentalmente para lidar com pessoas. 😂


Mas existem também motivos fisiológicos para um padrão alimentar mais matutino. Um deles é permitir uma redução drástica do glicogénio hepático, durante um período em que a oxidação de ácidos gordos é preferencial. É pelas 16-17 h que a actividade simpática atinge o seu máximo, o que se reflete num aumento da mobilização de lípidos e redução da tolerância aos hidratos de carbono. Libertamos menos insulina à tarde/noite em resposta a uma refeição, o que leva a oscilações maiores da glicemia e do apetite. Os níveis de glicose estão sob constante monitorização de glucoreceptores no hipotálamo e tronco encefálico que respondem a variações e não a valores absolutos. Variações de grande amplitude originam respostas orexígenas, de aumento do apetite, para combater a quebra de energia sinalizada.


A taxa de síntese de glicogénio hepático é maior de manhã, assim como a expressão de transportadores GLUT-2 de forma a regenerar o glicogénio mobilizado durante a noite. Os níveis de glicogénio hepático funcionam como um relógio periférico que sinaliza e coordena respostas do sistema nervoso central através do nervo vago. O fígado recebe igualmente inputs do núcleo supra-quiasmático que regulam o metabolismo da glicose. Mas a evidência aponta para algum grau de independência do “relógio hepático”, sublinhando a importância de se manterem sincronizados para optimizar a homeoatase glicémica. Ou seja, um não se adapta totalmente ao outro e convém mantê-los alinhados.


No próprio tecido adiposo, a expressão génica varia ao longo do dia. Menos leptina de manhã, e mais PPAR-gama e adiponectina. No fundo favorecendo a reserva de manhã para mobilização em períodos mais tardios do dia. Altura em que a utilização de glicose exógena será menos eficiente devido à menor liberação de insulina, mas a oxidação de ácidos gordos mais eficiente. Claro que numa dieta com aporte energético rigorosamente controlado pouca diferença faz. É o balanço entre o que gasto e o que ingiro a fazer a diferença. Mas são poucos os que contam calorias com rigor, e a norma é gerir a ingestão alimentar intuitivamente pela fome, tão difícil de contrariar. E é precisamente aí que um padrão mais matutino ajuda. A percepção de saciedade parece superior e facilita um controlo intuitivo do aporte energético.


Um regime como o meu pode assemelhar-se ao jejum intermitente, mas a janela alimentar é sempre mais prolongada do que as típicas 8h num modelo 16:8 mais comum. Eu não faço jejum intermitente e já expressei a minha opinião sobre isso por diversas vezes. Tento manter um padrão alimentar próximo daquilo que o nosso ritmo cronobiológico sugere como ideal. Que é na verdade é dissonante com as rotinas típicas nas sociedades ocidentais modernas. Uma manhã e tarde de trabalho corridas, e um banquete compulsivo ao jantar. Olhando para o estado das coisas não parece que isso esteja a correr bem.

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