Muitas questões me têm sido colocadas acerca da creatina nos últimos tempos. Decidi criar esta FAQ para resposta directa e simples a essas dúvidas mais práticas.
O que é e para que serve a creatina?
A creatina é uma amina biogénica sintetizada no organismo a partir de 3 aminoácidos: arginina, glicínia e metionina. Cerca de 1 g de creatina (Cre) é produzida em média no nosso corpo, e um omnívoro obtém mais 1 g da alimentação, através do consumo de carne. Aproximadamente 95% das reservas estão presentes no músculo esquelético, mas o cérebro é também um importante local de acumulação e função. A suplementação pode expandir as reservas musculares em até 40%.
A função primária da creatina é facilitar a produção de energia de forma rápida quando a demanda é grande, seja em esforços anaeróbicos de alta intensidade no caso do músculo, ou actividade neuronal no cérebro. É fosforilada pelo ATP por acção da creatina cinase, formando PCr (fosfato de creatina). Quando necessário transfere o fosfato para o ADP e regenera ATP a uma taxa muito rápida.
O rácio PCre/Cre é também um sinalizador do status energético da célula, que tende a baixar quando saturada com Cre. Nestas condições a capacidade glicolítica e a captação de glicose aumentam. A célula torna-se mais eficiente na produção de energia.
Que efeitos esperar?
O efeito mais evidente e imediato experienciado por quem suplementa é o ganho de força, e menos notório um aumento da massa magra e volume muscular. Ao final de 8-12 semanas poderá proporcionar um ganho de peso na ordem dos 1-2 Kg.
Como actua a creatina no músculo?
Além de aumentar a capacidade energética do músculo em estímulos de alta intensidade, como é o caso do treino resistido, necessária para a produção de tensão, a creatina actua também por outras vias indirectas.
O potencial higroscópico aumenta o teor de água intra-muscular provocando um stress osmótico que estimula a síntese proteica. A própria turgescência optimiza a capacidade contrátil. Grande parte do peso ganho em massa magra é na verdade conteúdo hídrico do músculo, que contribui também para a sua funcionalidade.
Quem pode tomar?
Todos os adultos saudáveis poderão tomar, estando contra-indicadaapenas em casos de doença renal já estabelecida devido à necessidade acrescida de filtrar creatinina, produto de degradação da Cre. Cerca de 2% da Cre degrada-se espontaneamente em creatinina, e os níveis séricos podem aumentar com a suplementação.
Não é recomendada a grávidas, lactantes ou crianças, não por um risco conhecido mas porque existem poucos estudos nestes grupos para atestar segurança.
Qual a dosagem ideal?
Para atingir a saturação, doses de 3-5 g por dia parecem suficientes desde que a toma se estenda por mais de 20 dias. Era habitual realizar-se fase de carga, com tomas na ordem dos 20 g/dia durante 5-7 dias. Protocolo esse que tem vindo a cair em desuso por não apresentar vantagem quando a toma se estende por 8 semanas ou mais.
Quanto tempo devo tomar?
A duração mínima de um ciclo de creatina deverá ser de 8-12 semanas para que os efeitos possam ser notórios.
Devo suspender a toma durante quanto tempo?
Não existem riscos associados à toma contínua, embora seja comum optar-se por um regime de ciclos. O tempo de paragem é arbitrário, num mínimo de 4 semanas.
A verdade é que a grande maioria dos atletas de elite suplementa durante todo o ano de forma contínua, parando apenas no mês ou meses de tappering.
Altura do dia em que devo tomar?
Não existe momento ideal e poderá ser tomada a qualquer momento do dia. É comum recomendar que em dias de treino seja após o exercício, e nos restantes em qualquer momento conveniente.
Que creatina devo tomar?
O monohidrato de creatina é sem dúvida a melhor opção, e é este que conta com todo o suporte científico. A Creapure é uma forma de creatina monohidrato com elevado grau de pureza e micronizaçãoamplamente estudada e sobre a qual recai a minha recomendação. Em pó ou cápsulas é indiferente.
Outros tipos de creatina são puro marketing e tentativas de lucrar com uma patente.
Todos beneficiam da suplementação?
Os benefícios da Cre são transversais ao sexo e à idade, embora no que toca ao desempenho desportivo nem todos pareçam responder da mesma forma. Cerca de 20% das pessoas não beneficiarão tanto por naturalmente já apresentarem níveis de Cre próximos da saturação muscular. Não existe forma de o saber antes de experimentar.
Em teoria, todos os indivíduos elegíveis que queiram potenciar o seu desempenho poderão tomar, numa fase mais avançada do treino. Iniciados não beneficiarão pois numa fase inicial, 2 a 3 meses, as adaptações hipertróficas e motoras são de tal maneira robustas que mascaram e se sobrepõem a qualquer efeito da Cre. Não esquecendo que muita gente passa toda uma vida como “iniciado”, sem explorar as suas capacidades e o desafio ao músculo.
Os vegetarianos são um grupo onde a suplementação poderá ser particularmente interessante pois por norma apresentam níveis basais mais baixos por dependerem exclusivamente da produção endógena.
Devo esperar efeitos secundários?
Não. Muitos mitos existem relativamente à suplementação com Cre, e um deles é que a toma prejudica a prazo a função renal. Não existe evidência nesse sentido e a elevação da creatinina sérica é acompanhada por um aumento natural da excreção. A taxa de filtração glomerular não é afectada negativamente, e todos os ensaios clínicos com Cre se têm revelado seguros. O mesmo se aplica para a função hepática.
Alguns indivíduos relatam um aumento da retenção hídrica, edema, que poderá ser explicado pela acumulação de Cre nos espaços intersticiais. No entanto é um efeito pouco comum e facilmente controlado com a redução da dose para 3 g diárias.
Queda de cabelo e acne são mitos sem fundamento.
Aplicações clínicas da creatina
O impacto positivo da creatina na performance já não se questiona, com décadas de investigação em suporte, e é na sua aplicação clínica que reside agora o maior interesse científico. Efeitos positivos têm sido encontrados em casos de doença neurodegenerativa, depressão, diabetes, e resistência à insulina pelo seu efeito na melhoria da tolerância aos hidratos de carbono.
Trata-se de um suplemento de grande interesse e potencial, sem riscos associados conhecidos. A continuidade dos estudos e ensaios clínicos é necessária, com resultados preliminares muito positivos.
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