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Receptividade a "bullshit" e efeito placebo

Não querendo entrar em polémicas, vamos falar um pouco sobre o recurso a métodos e terapias alternativas não comprovadas, e a percepção do seu efeito. E para isso cito um estudo muito recente na PLoS ONE que avalia a associação entre traços de personalidade e o uso e eficácia percepcionada de óleos essenciais. Sem me alongar pois o estudo é de acesso livre, a principal descoberta do trabalho é uma associação com o que se define como “receptividade a bullshit”. Indivíduos mais permeáveis à treta usam mais e tendem a encontrar benefícios onde a evidência falha. E o que é esta “receptividade a bullshit”? Traço descrito por Pennycook, psicólogo Canadiano, que caracteriza a tendência em encontrar um significado profundo em frases aleatórias sem sentido objectivo. Vamos a dois exemplos: 1) “Atenção e intenção são os mecanismos da manifestação”, e 2) “Esta vida não é mais do que uma evolução desperta da ciência mística”. Enquanto a primeira é um tweet do Deepak Chopra, a segunda foi gerada por mim num algoritmo automatizado disponível online. Mas são mais as semelhanças que as unem do que as diferenças que as separam. Ambas as frases partilham a mesma estrutura sintáctica, vagas o suficiente para impressionar e sugerir profundidade ao invés de expor objectivamente um significado. Como disse Buekens na sua definição de obscurantismo, “um jogo de fumo verbal que sugere profundidade e clarividência onde não existe nenhuma”.

Mas é importante distinguir “bullshit” de uma mentira, como fez brilhantemente Harry Frankfurt (2005) - “É impossível alguém mentir sem pensar que conhece a verdade. Produzir “bullshit” não requer tal convicção”. É algo desenhado para impressionar mas construído sem nenhum interesse na verdade. A inabilidade em identificar esta incoerência é o que definimos como receptividade a “bullshit”. Pennycook acredita que estamos pré-formatados para a crença e em aceitar a treta, mas que o conflito cognitivo gerado leva a que alguns a recusem e refutem. Outros aceitam-na sem questionar. E ao que parece, são aqueles com maior tendência para encontrar no alternativo os benefícios em indicadores subjectivos sem métrica precisa de saúde e bem-estar.

E o mesmo podemos pensar para o efeito placebo. Os mais “crentes” e susceptíveis à treta são também aqueles que experienciam efeito onde o efeito não existe. Rotular um placebo, cápsulas de lactose por exemplo, como inibidor do apetite aumenta a probabilidade de nos sentirmos saciados. Todas as métricas que dependem da percepção estão condicionadas pelo preconceito em relação à terapia. Falo da fome, dor, fadiga, etc. Podemos alegar que se o sintoma atenua, o placebo funciona para o pretendido. Mesmo que seja por uma percepção distorcida. Que por outras palavras podemos definir como magia. A arte do engano. E por isso não são de estranhar relatos individuais dos milagres de certas práticas, terapias ou produtos sem suporte científico. Não se trata de uma mentira consciente, mas de uma predisposição a acreditar neles.



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