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Regulação hormonal da distribuição regional de massa gorda

O ganho de peso e gordura corporal é resultado de uma interacção dinâmica entre o meio e factores inatos, determinados em grande parte pela genética. É controversa a quantificação da importância dos nossos genes na determinação da composição corporal. Estudos com gémeos homozigóticos que cresceram em separado sugerem que pode chegar até aos 70% (Stunkard et al. 1990), embora à excepção de variantes monogénicas raras, todos os polimorfismos identificados até hoje que se relacionam com o peso corporal expliquem menos de 2% da variância total (Choquet H & Meyre, 2011). Certamente que outros factores sobressaem, condicionados pela interacção dinâmica com o meio obesogénico em que vivemos hoje. E as hormonas influenciam indubitavelmente a homeostase energética, regulação do peso e a composição corporal.


O ambiente hormonal é ele próprio condicionado por aspectos genéticos, patológicos, e pela nossa interacção com o meio. São várias as disfunções hormonais associadas directamente ao ganho de peso e gordura, como é exemplo o hipotiroidismo, hipogonadismo, Síndrome de Cushing, ou deficit de hormona do crescimento. Massa gorda essa que se distribui em zonas pré-determinadas, onde as células adiposas se encontram em maior concentração. De grosso modo podemos distinguir duas regiões principais – visceral, junto aos órgãos, e subcutânea, mais periférica. Nesta última distingue-se ainda a zona central, que representa toda a faixa abdominal (gordura abdominal subcutânea umbilical, supra-ilíaca e flancos/lombar), braquial, e glúteo-femural (coxas e glúteos) (Bjørndal et al. 2011).


É reconhecido que os homens tendem para uma regionalização de gordura mais centrípeta, abdominal visceral e subcutânea, caracterizada como perfil andróide. Por sua vez as mulheres pré-menopausa acumulam mais gordura periférica, glúteo, coxas e membros, num perfil classificado como ginóide que se dilui com a menopausa e transita para uma acumulação mais centralizada. Diferenças estas que não se limitam à influência genética pois os loci associados à obesidade explicam menos de 1,5% da variância no rácio cintura/anca nas mulheres, e apenas cerca de 0,5% nos homens (Heid et al. 2010). 


O dismorfismo sexual no que respeita à distribuição de massa gorda acentua-se nas mulheres, com maior acumulação periférica subcutânea nos braços e pernas. Perfil esse que se evidencia na puberdade, com uma diminuição do rácio entre as pregas adiposas do tronco e periféricas (tricipital e coxa média) após a idade de menarca (Wells, 2007). É assim provável que as hormonas sexuais influenciem a distribuição de tecido adiposo nesse perfil ginóide. Reconhece-se também que os anti-concepcionais compostos por estrogénios sintéticos aumentam diferencialmente a gordura subcutânea, com maior deposição na região tricipital, coxa e mid-axilar (Litchfield & Grunewald, 1988), reduzindo o rácio de massa gorda tronco/membros (Delibasi T et al. 2006). Mas na verdade, o dismorfismo entre sexos manifesta-se discretamente desde estados precoces do desenvolvimento. As mulheres têm por natureza um maior número de células adiposas subcutâneas do que os homens, e de maior dimensão (Fried et al, 1987; Wajchenberg, 2000), explicando a capacidade superior de reservar gordura que evolutivamente é vantajosa durante a gestação.


Para além das hormonas sexuais, outras parecem exercer efeitos segmentados sobre a acumulação de tecido adiposo. O hipercortisolismo associa-se a um perfil andróide, com aumento exacerbado de gordura intra-abdominal (visceral). A utilização crónica de corticoides terapêuticos favorece igualmente a obesidade visceral que se associa a um maior risco cardiometabólico devido à própria natureza dos adipócitos nessa região, inflamação e elevada actividade lipolítica (Wajchenberg, 2000). A deficiência em hormona do crescimento associa-se igualmente a uma acumulação preferencial de gordura na zona abdominal, centralizando a distribuição de massa adiposa (Bengtsson et al. 1993). No caso do hipotiroidismo existe tendência para excesso de peso e gordura, embora nenhum perfil específico de distribuição tenha sido identificado.


Por estas associações entre a actividade hormonal e a regionalização da gordura corporal foi levantada a hipótese de que a avaliação antropométrica poderia ajudar a inferir sobre eventuais distúrbios endócrinos clínicos e sub-clínicos. A metodologia mais mediática e controversa é o BioSignature de Charles Poliquin, falecido recentemente mas cujo trabalho continua sob a batuta de discípulos e fiéis seguidores. Este método alega um diagnóstico do equilíbrio endócrino através da avaliação de pregas cutâneas em regiões específicas e associadas à actividade de uma ou mais hormonas. Por exemplo, a prega mid-axilar estaria associada à acção tiroideia, a umbilical ao cortisol, o estradiol à prega da coxa média, e a tricipital à relação estrogénios/androgénios. E para além de um diagnóstico transversal, este método alega ser sensível à aferição do reequilíbrio hormonal ao longo de um protocolo terapêutico de optimização. A redução da espessura da prega estaria associada a uma melhoria da respectiva função hormonal. Mas será que existe fundamento científico para esta metodologia? Em alguns pontos sim, noutros nem tanto assim.


Um primeiro senão deste protocolo é que pressupõe uma associação causal entre a espessura da camada adiposa periférica e a acção hormonal. Ora, isto nunca foi verificado experimentalmente. Não existem estudos longitudinais ou clínicos que permitam aferir a direccionalidade da relação. Por outras palavras, se é a composição corporal que influencia o ambiente hormonal, ou se são as hormonas que levam a uma distribuição regionalizada da massa gorda. A obesidade está associada a um aumento do estradiol (Wajchenberg, 2000), não implicando que este seja um factor etiológico. Na verdade, o tecido adiposo expressa activamente a aromatase, enzima que favorece a conversão de testosterona em estradiol. O seu aumento é uma consequência e não a causa da obesidade ou massa gorda excessiva. Outro exemplo são as hormonas tiroideias. Sabemos que o hipotiroidismo se associa ao ganho de peso, mas obesos eutiroideus não apresentam níveis baixos de T3 e T4. Na verdade são até tendencialmente mais altos em obesos na ausência de restrição calórica (Reinehr, 2010).


Apesar das limitações na associação do efeito hormonal com a regionalização de massa gorda, existem diferenças metabólicas entre zonas que estão bem caracterizadas. E mesmo no tecido subcutâneo verifica-se uma resposta lipolítica distinta entre a região abdominal e glúteo-femural. Em mulheres, a lipólise basal após jejum nocturno é maior no tecido abdominal subcutâneo comparativamente à coxa, independentemente do perfil de obesidade ou em mulheres com peso normal (Martin & Jenson, 1991). Da mesma forma, em resposta ao exercício a actividade lipolítica na zona abdominal subcutânea é superior comparativamente à região glúteo-femural (Gavin et al. 2013). Daí ser tão difícil para uma mulher perder gordura nesta região, padrão esse que se parece modificar quando os estrogénios baixam por altura da menopausa.


Comparando os homens com as mulheres, a actividade lipolítica abdominal subcutânea parece ser idêntica. Mas na região glúteo-femural, menor no sexo feminino. A estimulação com um agonista adrenérgico não-selectivo para receptores a e b parece aumentar a lipólise na região abdominal subcutânea, mas inibi-la na zona glúteo-femural. No entanto, um agonista selectivo para os receptores b-adrenérgicos, a isoprenalina, parece estimular a lipólise em ambas as regiões, embora mais intensamente na zona abdominal. A combinação de um agonista não-selectivo com um antagonista a-adrenérgico (ioimbina) atenua o efeito inibitório do primeiro na região glúteo-femural, evidenciando que a resposta lipolítica diferencial se deve às diferentes densidades de receptores a-adrenérgicos, anti-lipolíticos, e b-adrenérgicos, lipolíticos (Wahrenberg H et al. 1989). O tecido abdominal subcutâneo, à semelhança do visceral, apresenta maior densidade de receptores b-adrenérgicos sendo por isso mais susceptível à lipólise. Por sua vez, o tecido glúteo-femural tem uma densidade maior de receptores a-adrenérgicos, dificultando o processo de libertação de gordura pelo adipócito. Diferença essa que parece ser mais evidenciada nas mulheres, pela menor lipólise basal verificada nesta região devido à indução destes receptores pelo estradiol, como já demonstrado (Perdersen et al. 2004).  

Quanto à captação de ácidos gordos pelos adipócitos, existem também diferenças entre a região abdominal subcutânea e glúteo-femural nas mulheres. A actividade da lipoproteína lipase (LPL) é idêntica quando expressa por massa de tecido adiposo, embora menor na zona abdominal quando expressa por número de células. Daqui podemos concluir que existe uma diferença no tamanho dos adipócitos, maiores na região abdominal, mas que a actividade da LPL é superior na zona glúteo-femural nas mulheres favorecendo a captação de ácidos gordos. Nos homens a actividade da LPL é idêntica entre estas regiões, mais uma vez sugerindo que os estrogénios poderão estar envolvidos neste dismorfismo sexual na distribuição de massa gorda (Arner et al, 1991).


Estrogénios e testosterona


Longe de se tratar de uma hormona exclusivamente feminina, é nestas que o estradiol, o estrogénio mais abundante, exerce um acção metabólica marcada. Acção essa que para além do dismorfismo sexual passa também pela regulação da homeostase energética e composição corporal (Mauvais-Jarvis, 2001). É reconhecida a sua acção anorexigénica, inibidora do apetite (Asarian L & Geary N. 2013), e termogénica (Mauvais-Jarvis, 2001). É também importante na função tiroideia, promovendo a captação de iodo e estimulando a produção de TSH. O aumento da produção hepática de TBG reduz a fracção livre de T4 e T3, atenuando a retroinibição hipofisária e favorecendo a produção de TSH (Santin A & Furlanetto T, 2011).

Como vemos, apesar da comum associação errónea ao ganho de peso, os estrogénios exercem uma acção protectora e anti-obesogénica, mas que se reflete numa redistribuição periférica do tecido adiposo (Mauvais-Jarvis, 2001). O estradiol aumenta a sensibilidade à insulina e, devido ao maior número de adipócitos subcutâneos nas mulheres comparativamente aos homens, elas são mais eficientes na captação de lípidos alimentares (38% vs 24%) e reserva de gordura (Romanski et al. 2000). Além disso, o estradiol parece potenciar a secreção de insulina pelas células b-pancreáticas (Nadal et al 2009), e consequentemente a captação e retenção de lípidos pelos adipócitos subcutâneos mais sensíveis à insulina, exacerbando este perfil de distribuição de gordura.


A reposição hormonal com estrogénios em mulheres pós-menopausa reduz a actividade lipolítica no tecido subcutâneo abdominal, mas também no glúteo-femural (Van Pelt et al. 2006). No entanto, em mulheres pré-menopausa a administração exógena não parece afectar a lipólise glúteo-femural, já por si baixa, mas reduz a lipólise basal no tecido adiposo abdominal subcutâneo. A administração de isoproterenol, um agonista b-adrenérgico, estimula em menor extensão a lipólise abdominal na presença de níveis elevados de estradiol, possivelmente pelo aumento da densidade de receptores a-adrenérgicos e bloqueio da sinalização b-adrenérgica a jusante. Nestas condições, a lipólise em resposta ao exercício é superior na região abdominal, mas menor na região glúteo-femural comparativamente ao controlo (sem administração) (Gavin et al. 2013). Evidencia-se o efeito do estradiol na regionalização da massa gorda para um perfil ginóide, bloqueando a perda na região glúteo-femural.


Mas não é apenas nas mulheres que o estradiol influencia a composição corporal, embora os efeitos estejam mesmo assim melhor caracterizados do que nos homens. Em casos raros de deficiência masculina em aromatase, os níveis de estradiol são residuais e a testosterona tendencialmente elevada. E de facto existe uma acumulação mais centrípta de gordura, não implicando causalmente o deficit de estradiol neste perfil androide (Jones M et al. 2007). Não se tratam de homens magros mas sim habitualmente com massa gorda excessiva, ilibando o estradiol de um efeito obesogénico directo nos homens. Até porque a administração de testosterona reduz numa relação linear dose-resposta o volume de tecido adiposo abdominal subcutâneo e intra-abdominal (Woodhouse et al 2004), relembrando que o aumento da testosterona é acompanhado pelo estradiol no mesmo sentido via aromatização periférica. É mais relevante o rácio testosterona/estradiol do que o nível absoluto, não existindo indícios de um aumento da massa gorda influenciado pelos estrogénios dentro de valores fisiológicos, mas sim um efeito protector (Rubinow, 2017). No entanto, a administração de estradiol em homens transexuais redistribui a gordura corporal num padrão ginóide. Padrão esse mais evidente ainda com a associação de anti-androgénios, aumentando também a gordura intra-abdominal devido à quebra nos níveis de testosterona a valores próximos dos verificados no sexo feminino (Tangpricha & den Heijer, 2017). O efeito protector do estradiol não se manifesta na mesma extensão do que nas mulheres, provavelmente por diferenças a nível da expressão de receptores.


No tecido adiposo existem dois tipos de receptores estrogénios, os ERa, mais abundantes, e ERb. Não parece existir diferença entre sexos relativamente aos primeiros, mas os ERb são consideravelmente expressos em maior quantidade no tecido adiposo das mulheres, e em particular nos adipócitos maduros da região subcutânea. Na verdade, os estrogénios aumentam a expressão de ambos os tipos de receptores nas mulheres e apenas os ERa nos homens (Dieudonné et al. 2004), e uma maior proporção ERa/ERb está associada a um aumento da sensibilidade à insulina nos adipócitos subcutâneos (Park Y-M et al. 2017). A maior quantidade de receptores totais e níveis circulantes de estrogénios nas mulheres amplifica a resposta e o dismorfismo sexual. O estradiol estimula a adipogénese, sensibilidade à insulina e deposição de gordura subcutânea, em particular glúteo-femural. Fenómeno protector de uma perspectiva evolutiva, garantindo que estas reservas apenas são mobilizadas em períodos de escassez alimentar e deficit energético prolongado.


A relação da prega da coxa com os estrogénios não é suportada pela evidência, ou pelo menos de uma forma coerente. Por exemplo, estudos com populações vegetarianas masculinas não mostram diferenças com não-vegetarianos no que respeita à espessura da prega crural, embora os níveis de estrogénios sejam mais baixos nos vegetarianos e sem diferenças entre grupos no percentual de massa gorda total (Howie B et al 1985). Nas mulheres, o estradiol é mais baixo em vegetarianas, correlacionando-se de forma positiva com a prega tricipital. No entanto, as mulheres vegetarianas no estudo em causa eram tendencialmente mais magras, com menor percentagem de massa gorda total, explicando por si a diferença a nível da prega do tríceps (Barbosa J et al. 1990). E se a obesidade está associada a níveis de estrogénios mais elevados por aromatização no tecido adiposo, é natural que a associação entre o estradiol e a prega tricipital não seja causal, mas sim uma consequência desta ser um bom preditor da massa gorda total. Massa gorda que evidencia uma relação em “U” com os níveis de estrogénios em mulheres pós-menopausa (Colleluori et al. 2018).


Quanto à testosterona, ela desempenha um papel protector no que respeita ao aumento da gordura visceral nos homens, e a diminuição tendencial com o avançar da idade, em particular da testosterona livre, explica o aumento da deposição central (Wajchenberg, 2000). Efeito esse que parece ser exercido pela inibição da expressão da LPL no tecido abdominal omental (visceral), mas não verificado no subcutâneo ou glúteo-femural. A testosterona estimula também a hormone-sensitive lipase (HSL) por aumento da actividade b-adrenérgica (Björntorp, 1997; Wajchenberg, 2000). A densidade de receptores androgénicos é superior no tronco comparativamente aos membros, e em especial no tecido adiposo intra-abdominal, tal como os receptores de glucocorticoides (Björntorp, 1997(2)). E o efeito protector da testosterona manifesta-se também em grande parte pela antagonização aos efeitos obesogénicos do cortisol (Wajchenberg, 2000). Estudos preliminares associam os níveis de testosterona a uma redução das pregas adiposas abdominal e subscapular em altetas (Costa M et al. 2013), mas não pondo de parte que derive apenas da menor massa gorda total.


Nas mulheres as coisas parecem complicar um pouco. Níveis elevados de androgénios associam-se a um aumento do tecido adiposo visceral, contrariamente aos homens, mas também o abdominal subcutâneo (Glass, 1989). Na transição para a menopausa verifica-se um aumento tendencial das pregas adiposas do tronco, sem alteração significativa nos membros (Kosková et al. 2007), e a prega abdominal correlaciona-se positivamente com a idade nas mulheres (Kosková et al. 2007(2)). No entanto, a administração de testosterona em transexuais apenas parece aumentar a gordura intra-abdominal com a ablação dos ovários (Elbers et al. 1997),sugerindo que os estrogénios têm um importante papel protector na deposição visceral de gordura. Os estrogénios reduzem a densidade de receptores androgénicos no tecido adiposo (Björntorp, 1997), atenuando a sua acção, e amplificam a acção lipolítica da hormona do crescimento (Metzger et al. 1994). É provável que a alternância para um perfil andróide esteja mais associada à redução da captação glúteo-femural de ácidos gordos e maior actividade lipolítica nesta região, do que a uma alteração significativa do metabolismo dos adipócitos abdominais viscerais e subcutâneos. 


Cortisol


A exposição crónica ao cortisol tem um efeito dramático na composição corporal, com um perfil regional de adiposidade bem marcado. Estimula a centralização de massa gorda, particularmente na zona intra-abdominal que apresenta uma densidade elevada de receptores de glucocorticoides (GCR). Além disso, o tecido adiposo visceral expressa activamente a enzima 11b-hidroxiesteróide desidrogenase (11b-HSD), responsável para conversão da cortisona em cortisol, o glucocorticoide mais activo. Conversão periférica esta que aumenta a sua actividade autócrina e parácrina (Morton N, 2010).


O cortisol tem uma acção ambígua no que respeita ao turnover de triglicéridos no adipócito. Estimula a lipólise e a resistência à insulina de forma a mobilizar energia, mas ao mesmo tempo desencadeia mecanismos de acumulação lipídica como o aumento da actividade da LPL, inibição da AMPK e oxidação de ácidos gordos, aumento da expressão de enzimas de re-esterificação, e tem um papel adipogénico na diferenciação de pré-adipócitos em adipócitos maduros (Morton, 2010). Efeitos estes mediados directamente pelo GCR, mas também pela afinidade do cortisol aos receptores de mineralocorticóides envolvidos nos processos lipogénicos do tecido adiposo (Gomez-Sanchez, 2015).


Os efeitos do cortisol são antagonizados pela testosterona, por competição directa ao receptor e pela redução da produção de GCR. A hormona do crescimento também apresenta um efeito inibidor da acção corticoide, bloqueando o aumento da actividade da LPL induzida pelo cortisol e potenciando o efeito antagónico da testosterona. A acção protectora do estradiol não está tão bem caracterizada, podendo ser mediada directamente através dos receptores estrogénicos, maior avidez na captação de ácidos gordos pelos adipócitos subcutâneos, ou aumento da hormona do crescimento, mais elevada nas mulheres (Wajchenberg, 2000).


Mas apesar da distribuição central mediada pelo cortisol, não existem estudos que associem variáveis antropométricas para além o IMC, rácio cintura/anca, e perímetro abdominal aos seus níveis basais. Um estudo com mulheres obesas pré-menopausa não encontrou qualquer relação do cortisol às pregas adiposas que, na verdade, representam apenas a camada subcutânea de tecido (Melnikov & Kim, 2017). Como vimos, o padrão influenciado pelo cortisol é essencialmente intra-abdominal, não existindo evidência estabelecida de relação com a prega umbilical como indicado no BioSignature de Charles Poliquin. Mesmo empiricamente estabelecida em casos de stress crónico ou distúrbios de sono, outros factores influenciam a deposição umbilical de gordura que impossibilitam a utilização da prega como parâmetro de “diagnóstico”.


Hormona do crescimento


A hormona do crescimento tem uma acção lipolítica marcada, em particular no tecido adiposo visceral. Indivíduos com acromegalia e produção excessiva apresentam baixos níveis de gordura intra-abdominal e são tendencialmente magros (Brummer et al, 1993). O que não se verifica no deficit de hormona do crescimento, onde para além da baixa estatura há um aumento acentuado da gordura abdominal que tende a reduzir com a reposição exógena (Bengtsson et al. 1993). A hormona do crescimento aumenta a lipólise e inibe a actividade da LPL, efeitos que se manifestam independentemente e em sobreposição ao cortisol ou testosterona. O aumento da lipólise manifesta-se pela maior actividade da HSL, estimulada directamente e por aumento da densidade de receptores b-adrenérgicos (Wajchenberg, 2000).


Em 1981, Bhatia S. desenvolveu uma fórmula preditiva baseada em antropometria para diagnóstico de deficit em hormona do crescimento nas crianças (Bhatia S et al 1981). Fórmula essa que tinha em consideração a altura e as pregas subscapular, peitoral, umbilical, joelho e gémeo. No entanto, nenhuma delas por si se destaca na associação com o deficit hormonal, e na verdade a prega umbilical e peitoral seriam até melhores preditores do que a geminal ou joelho, associadas por Poliquin a baixos níveis de hormona do crescimento. Talvez porque as primeiras já estivessem destacadas a outra hormona e desse pouco jeito.


Hormonas tiroideias: T3 e T4


Deficit de hormonas tiroideias, hipotiroidismo, está associado ao ganho de peso. No entanto, indivíduos obesos saudáveis não apresentam níveis mais baixos de T3 e T4 do que pessoas com peso normal (Reinehr, 2010). A tendência para ganhar peso deve-se a uma maior eficiência energética e menor actividade b-adrenérgica pela influência positiva da T3 na acção das catecolaminas (Silva, 2003). No entanto, do meu conhecimento nunca foi identificado um padrão particular de acumulação de gordura nem associação com uma região corporal específica à disfunção tiroideia. Nem na região mid-axilar, nem preferencialmente no trem inferior do corpo.


A compensação terapêutica do hipotiroidismo com tiroxina, T4, reduz a massa gorda total sem diferenças entre a região tricipital e subscapular (Sirigiri S et al. 2016). Bakiner et al. 2013 não verificou igualmente diferenças entre a redução das pregas cutâneas ou qualquer perda regionalizada com a correcção do hipotiroidismo (Bakiner O et al. 2013). Redução essa que estará também relacionada com a menor deposição de mucopolissacários subcutâneos, mixedema, para além da redução do percentual de massa gorda. Um estudo transversal com a população Checa não encontra relação entre as pregas adiposas e os níveis de T3, e uma relação inversa homogénea com os níveis de T4 que não indicia um efeito regionalizado na deposição de gordura corporal (Dvoráková et al. 2008).


Insulina


A insulina é uma hormona anabólica com um importante papel na dinâmica de lipólise e re-esterificação no adipócito. Aumenta a captação de ácidos gordos pela estimulação da LPL, e inibe a lipólise por bloqueio da actividade adrenérgica via activação da fosfodiésterase que degrada o cAMP. A sensibilidade à acção da insulina é diferencial entre os adipócitos viscerais e subcutâneos, sendo os últimos mais sensíveis à sua acção (Klöting et al. 2010). A resistência inerente dos primeiros deverá estar associada ao seu perfil de produção de adipocinas inflamatórias, menor produção de adiponectina, maior actividade do cortisol, e pelo próprio tamanho (Wajchenberg, 2000). O tecido adiposo visceral tende a crescer por hipertrofia, existindo uma relação directa entre o tamanho da célula e a lipólise basal. Os ácidos gordos libertados estimulam a enzima PKC-q que fosforila inibitoriamente o substrato do receptor de insulina nos resíduos de serina, bloquenado a sua acção normal (De Fea K & Roth R, 1997).


Assim sendo, em estados de resistência à insulina a tendência para acumulação centrípta de gordura aumenta, enquanto que em indivíduos com boa sensibilidade há uma maior acumulação periférica e subcutânea. Os estrogénios aumentam esta sensibilidade e também por aqui se justifica que a adiposidade subcutânea nem sempre esteja associada a disfunções metabólicas e à maior “protecção” no sexo feminino antes da menopausa (Varlamov et al 2015). No entanto, é reconhecida uma associação entre a gordura abdominal subcutânea e a resistência à insulina (r=0,62, p<0,01), independente do tecido adiposo visceral (Goodpaster et al, 1997). E a soma das pregas adiposas do tronco, subscapular, axilar média, peitoral, abdominal, e supra-ilíaca, associa-se negativamente à sensibilidade à insulina (r=-0,72, p<0,0001) (Abate et al, 1995). Foi também verificada uma relação positiva entre as pregas do tronco, a insulina basal, e o péptido-C (Amemiya T et al. 1990). Por seu lado, a prega umbilical também se associa à Síndrome Metabólica em idosos (Nguyen et al, 2006) e em jovens (Vasan et al. 2011), quadro onde a resistência à insulina é o processo patofisiológico central, com um valor de corte sugerido de 27 mm. As pregas umbilical e tricipital parecem ser também melhores preditores da glicemia, triglicéridos, pressão arterial, e todos os aspectos associados à resistência à insulina do que a prega subscapular do modelo de Poliquin (Vasan et al. 2011).


Conclusão


O efeito hormonal na regionalização do tecido adiposo não está totalmente clarificado. A evidência é escassa, e por até vezes conflituosa. No entanto, podemos desde já avaliar o BioSignature de forma crítica e com base na evidência científica disponível.

Parece claro que modelos baseados na regulação hormonal regional do tecido adiposo não têm suporte científico que permita a sua utilização em acompanhamento clínico, embora as associações que vimos. Se os estudos transversais de associação são pouco claros e não provem direccionalidade, não existem ensaios longitudinais que mostrem uma evolução da prega adiposa que acompanhe a acção hormonal optimizada. No entanto, não é de descartar a utilização empírica da antropometria como um indicador sugestivo e primário de distúrbios hormonais que terão obrigatoriamente de ser diagnosticados pelos métodos convencionais e devidamente validados. A relação causa-efeito não está de todo estabelecida, e encontramos uma variabilidade inter-individual grande na distribuição de massa gorda que não se explica em exclusivo pelos efeitos hormonais, para além da redundância de algumas hormonas na sua acção regional. Perfis ginóides marcados nem sempre se associam a níveis de estrogénios acima da média, ou mais altos do que indivíduos com padrões de distribuição mais harmoniosos. Se a prega umbilical se associa ao cortisol e stress como é alegado, também à resistência à insulina, testosterona, ou simplesmente ao facto de ser “gordo”. Como todas as outras na verdade, e em particular a tricipital que apresenta a melhor relação com a massa gorda total. Independentemente do conhecimento empírico que Charles Poliquin possa ter colocado no seu BioSignature, este método não é suportado pela ciência, e em alguns aspectos refutado.




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